Vinte e nove de Maio de 2014. Duzentas semanas (46 meses) depois da escritura da casa dormi a primeira noite na minha casa. Sozinha.
Sentimento dominante? Medo e dor.
Acho que, de tudo o que li e falei com outras pessoas, ninguém me disse que aqueles primeiros dias podiam (também ser) de medo e arrependimento. Eu nunca tinha adormecido sozinha numa casa antes. Como lidar com todos os pequenos ruídos desconhecidos? Como pode o corpo realmente repousar quando oiço os meus vizinhos a conversar até à 1h da manhã, alguém que chama nomes à namorada na rua às 4.30h ou a caixa multibanco que de vez em quando diz alto e bom som: "Retire o seu dinheiro!"?
E o colchão? OMD, porque não dei eu ouvidos a quem me disse com todas as letras "Não compres um colchão IKEA, é arrependimento na certa!"? Porque não o comprei eu pouco antes de me mudar para a casa, em vez de 5 meses antes, quando já não o podia trocar?
Porque é que o frigorífico faz aquele barulho, será que está a trabalhar bem? Não posso fazer máquinas de roupa à noite, o ruído é ensurdecedor. Porque é que os meus vizinhos não se deitam mais cedo? Porque é que as pessoas deixam os cães na varanda? É suposto o termoacumulador fazer barulho quando aquece a água? A cama range. O melhor seria trocar a fechadura da porta, outra vez. Deveria comprar um extintor?
Duas semanas.
Depois morri de exaustão. O cérebro limitou-se a desligar porque o corpo não aguentava mais. Voltei ao meu sonífero de eleição: os livros. Página e meia e apagava. Deixei de me preocupar com coisas que não adiantava nada em me preocupar com elas. Que tivesse uma divisão cheia de coisas não arrumadas. Se não tenho estantes, como posso arrumar os meus livros? Que se lixe que não tenho cortinados, só tenho que me relembrar de não voltar a ir apanhar roupa em trajes menores. Não tenho quadros pendurados ou paredes de outra cor que não o branco. Mas tenho dinheiro na conta e como chegar até ao fim do mês. O colchão e a cama ficaram. O primeiro porque o corpo cedeu, o segundo porque montei-a de novo. Sozinha.
Tenho o mínimo. O mínimo para viver sem me sentir miserável. O mínimo para viver os meus dias satisfeita. Sim, arrependo-me de algumas compras mas agora tenho de viver com elas.
E não é mau de todo. A casa que eu imaginei remodelar é diferente da casa que tenho hoje. Sei que está incompleta mas, mesmo assim, não é a casa que eu queria. Se o lamento? Não. Acho que as casas de quase todos nós são assim: pedaços aleatórios que podem ou não encaixar harmoniosamente num espaço. Sinto-me bem, principalmente quando me estico no sofá e não tenciono em me mexer mais até ir para a cama.
Há coisas que ainda não estão no sítio e isso também altera a minha dinâmica. Por exemplo, ter o computador na outra ponta da casa leva a que eu não passe tantas horas nele, ao serão.
Agora a cabeça ocupa-se com o jantar, a roupa, o chão limpo. Em fazer (ou não) todas essas coisas. E isso é bom. Gosto.
Já tenho menos medo. Só ainda não tenho é coragem de publicar fotos.
Nota: Uma das coisas que me lembrei enquanto falava com a AnaD foi que, apesar das coisas novas (cama, roupeiro, sofá e outros móveis) que tanto me custaram a adquirir, foi só quando meti as minhas coisas na casa, os meus objectos pessoais, os meus chinelos de sempre, que me senti realmente em casa.