Há uns anos atrás, estava a ver o telejornal quando, uma professora primária ao ser entrevistada, se sai com esta afirmação: "Ler é um dos actos mais íntimos que podemos fazer." E eu pensei (com a minha mente perversa e impura) que aquela senhora era professora primária e que tinha acabado de dizer aquilo para a televisão!
Mas, passados estes anos, compreendo bem aquela afirmação: significa que eu aceito que a voz de outra pessoa me inunde, que encha a minha mente de imagens e de mundos. É preciso haver uma rendição da minha parte, abdicar um pouco da minha realidade, para aceitar deixar entrar essa outra realidade de alguém. E é por isso tão interessante que o mesmo livro, que foi escrito apenas com aquelas palavras e que tem apenas aquele formato, ter tantas reacções diferentes e tantas interpretações distintas, porque cada pessoa que o lê é única e cada pessoa tem a sua forma de interpretar e interagir com o mundo.
Por isso é que é tão interessante falar e discutir sobre livros e hoje, com blogues e redes sociais, essa discussão acontece a todo o momento, todos os dias, a qualquer hora, com qualquer livro que lemos.
Todos têm algo a dizer sobre o livro que estamos a ler, porque sabem quando o começámos ou em que página em que vamos. Perguntam-nos o que estamos a achar, se estamos a gostar, dizem-nos que gostaram muito do livro e porquê, aproveitam para explicar que aquele livro foi adaptado para filme e que é muito bom, indignam-se quando não pontuamos merecidamente o livro mesmo quando justificamos porquê... Eu, culpada de todos estes comportamentos, sinto por vezes que deixei de ler livros sozinha. Não é que seja mau (isto não é uma queixa, é mais um lamento) mas por vezes sinto saudades de pertencer a um mundo de abençoada ignorância em que ninguém tem de provar constantemente a ninguém o seu conhecimento sobre tudo um pouco.
Este sentimento começou a formar-se no início do ano, na mesma altura em que comecei a ler a "
A Guerra dos Tronos". Acho que foi provavelmente o meu receio de ser confrontada com alguma reacção negativa de algum fã, além dos inúmeros "likes" no Goodreads aos meus "status updates" de leitura, ao ponto de ter de desligar as actualizações para não ser mais incomodada.
Na mesma altura, também no Goodreads, encontrei por acaso um tópico de pessoas que perguntavam se podiam ter estantes secretas. (Já agora, a resposta é não, mas podem criar um grupo secreto cujo único membro são vocês mesmos e usar essas estantes para lá meterem livros). Essas pessoas queriam usar o Goodreads para catalogar a biblioteca delas mas não queriam expor publicamente todos os livros que tinham. Não queriam que amigos e familiares soubessem que tinham certos e determinados livros.
Ora eu, que sempre fui grande fã da partilha, de repente percebi o que sempre deveria ter sido óbvio: que também tenho direito à privacidade da minha opinião sobre aquilo que leio, se assim o decidir. Que os livros que possuo, o que penso sobre o que li, aquilo que gosto ou não é algo que só a mim me diz respeito.
Eu sei que isto parece contraditório vindo de alguém que tem um blogue e que iniciou há tão pouco tempo um videocast sobre livros. A verdade é que chegar a esta conclusão também me surpreendeu!
O objectivo principal do meu blogue sempre foi o de registar a minha opinião de cada livro que leio para mais tarde recordar mas não vou mentir que já dei por mim a matar-me a escrever uma opinião porque pensei em quem iria ler aquilo e sinceramente é também isso que me está a provocar esta ansiedade. Mesmo que eu tente evita-lo, até ao momento de escrever a opinião, irei sempre estar constantemente a falar do livro, mesmo que seja pouco, ao ponto de não desejar escrever nada, quando chegar a altura de o fazer.
E, pior do que isso, devido a esta interação social online constante, pergunto-me até que ponto não fica deturpada a minha opinião sobre um determinado livro. Tal como diz a Susan Cain, na sua apresentação "
The Power of Introverts": "quando estamos num grupo de pessoas, instintivamente imitamos as outras pessoas sem nos apercebermos e seguimos as opiniões da pessoa mais dominante ou carismática no grupo, mesmo que essa pessoa não seja propriamente o melhor conversador ou o detentor das melhores ideias." Eu quero seguir as minhas próprias ideias e tirar as minhas próprias conclusões quando termino um livro e
depois procurar falar sobre ele. Mas também não quero passar a vida a sentir que estou a justificar-me porque é que não gostei tanto daquele livro tão famoso que toda a gente gosta. Quero opinar sobre o assunto e deixar o assunto morrer.
Se cinquenta por cento das leituras que faço são para fins recreativos apenas, os outros cinquenta têm como objectivo compreender o mundo através de outros olhos que não os meus, experienciar algo que a minha própria vida não me proporciona e por isso poder crescer e tornar-me (espero!) uma pessoa melhor. Como posso fazer realmente essa reflexão e chegar sozinha a certas conclusões, no meu íntimo, no meu silêncio, rodeada de um mundo de pessoas que não se calam?
Talvez tenha sido o meu excesso de
oversharing nos últimos anos que me esteja a levar a sentir-me assim e até mesmo neste momento em que termino este texto pergunto-me se não estou a partilhar demasiado. "Vão pensar que os estou a mandar calar quando podia simplesmente fechar o computador" é o que penso que vão pensar. Mas esta reflexão serve para tentar compreender a dinâmica da
leitura como acto e a dinâmica de
falar sobre livros como distintas e como eu hoje me sinto que um poderá estar a estragar o prazer do outro.
É demasiado errado querer ler e, sobre o que leio querer reflectir, sozinha? Mesmo que o faça usando meios tão públicos como blogs e redes sociais como o Goodreads?
Quanto à forma como vou resolver esta minha insatisfação ainda não sei, não decidi. Não tenciono fechar o blog ou parar de escrever opiniões. Também não tenciono deixar de ler outras opiniões, aliás é uma das actividades que ainda me dá algum prazer fazer quando olho para um blogue de livros. Porque como são os "likes" e as pequenas perguntas durante a leitura que me aborrecem talvez eu elimine as actualizações por algum tempo ou até escreva as opiniões do que leio mas não as publique por enquanto. Por enquanto fica o desabafo, logo verei como poderei solucionar.
Já agora, serão bem-vindas sugestões!